A infantililização das pessoas idosas é um problema recorrente e coloca a pessoa em um lugar onde ela não deveria estar. A atitude não é de má-fé. É um pouco ingênua, no sentido de que, frequentemente, o que se procura é uma expressão de carinho e afeto. Semelhanças realmente existem: se dependente, é frequente que a pessoa idosa esteja em uma situação parecida com uma criança em seus primeiros anos de vida. Acamada, usando fraldas, recebendo a alimentação na boca, às vezes sem conseguir expressar-se, pois as palavras deixaram de fazer parte de seus recursos. Mas as semelhanças terminam aí.
Inúmeras vezes, ao visitar um paciente, no hospital ou em sua casa, ouvi: “este é o meu bebê”. Confesso que estas palavras nunca me soaram bem, na verdade, sempre me provocaram um certo mal-estar. Eu estava diante de uma pessoa muito doente, frágil, indefesa. As demências, como a doença de Alzheimer (um parágrafo aqui: Doença de Alzheimer é um tipo de demência – a expressão minha mãe, ou meu pai – não tem Doença de Alzheimer, ele tem demência, ou vice-e-versa, revela desconhecimento de ambas as condições) em sua fase mais avançada, ou na fase terminal, leva frequentemente a pessoa a uma situação verdadeiramente trágica. A memória se foi, as palavras perderam o sentido e a possibilidade de serem ditas, o controle urinário e intestinal já não existe, a capacidade de caminhar ou permanecer sentado foi esquecida, bem como a habilidade em usar instrumentos tão básicos como um garfo e uma faca. Tudo isso foi perdido. Não reconhece mais familiares, e deixou de ter consciência de si próprio há muito tempo.É quase uma espécie de morte em vida: já perdemos aquela pessoa, muitas vezes de importância vital : seu pai, sua mãe, seu cônjuge. Pensar nesta condição como similar a de um bebê que, ao contrário, está aprendendo estas habilidades, e a cada dia parece mais dono de si, ganhando capacidades e com elas, sua autonomia, não me parece adequado.
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Patrimônio de uma vida
Uma pessoa idosa guarda atrás de si um patrimônio que ninguém pode lhe tirar: a sua história.A sua vida. Doenças crônicas, particularmente aquelas que afetam o cérebro, podem transformar a pessoa num fantasma de si próprio. Nasceu, cresceu, estudou, trabalhou, criou uma família, acertou, errou. Variações deste caminho são incontáveis: não casou, não teve família, cometeu mais acertos do que erros ou errou muito.Viveu, de fato. E, como a velhice é a situação alternativa à morte precoce, a vida lhe ofereceu este troféu: mais tempo.
Este tempo pode ser de dias ensolarados com céus azuis. Mas pode ser chuvoso, cinzento e frio.Ambas as situações podem ser escolhidas como preferidas por uma ou por outra pessoa. Mas estamos falando de metá foras da velhice: aquela mais tranquila, ou daquela que infelizmente tende a ser mais frequente, mais cedo ou mais tarde – assolada por doenças crônicas e debilitantes. As doenças que aos poucos lhes roubam a autonomia, a qualidade de vida e que podem lhe tirar a memória e a capacidade de fazer as coisas mais simples do cotidiano: vestir-se, tomar banho, alimentar-se. Cair em uma situação de absoluta dependência. Não queremos isso: queremos viver bastante, aproveitar a vida. Porém muitas vezes, quando nos damos conta, estamos cercados de médicos, farmácias, remédios. E nosso sonho de partirmos tranquilos, já muito idosos, sábios, reconhecidos e amados pela família e nossa comunidade, dissolve-se na neblina de um anoitecer que não termina. Perdemos nossa independência e, progressivamente mais vulneráveis, só o que aumenta é a necessidade de cuidados. Infelizmente, também, parece ser essa a situação que a maior parte das pessoas vai viver: anos de doença e incapacidade. O sonho de viver muitos anos e morrer pacificamente é para poucos.
Linguagem
Uma coisa não precisamos perder: a dignidade. Vamos tirar o sapatinho, o casaquinho, vamos deitar na caminha... abre a boquinha, mostra a linguinha, vovô. Se a pessoa não for sua avó, não a chame assim: chame-a pelo seu nome. Senhor, senhora, são expressões que denotam respeito. Mas, quando já existe uma conexão, pode chamá-las pelo nome: João, Maria, José. Supreendentemente, elas gostarão daquele tratamento: a expressão dona fulana ou seu sicrano lhes foi imposta.Ainda se sentem como João, Maria e José. Este nome lhes pertence.
Infantilizar o idoso é roubar-lhes a autonomia, sua história – suas lutas, suas conquistas – sua memória (talvez por ele mesmo já perdida) e por fim, a dignidade. Trate os idosos que você ama como adultos que são. E deixe os diminutivos, o bebê, para seus netos e bisnetos. Você estará à altura da dignidade de quem teve o privilégio, a doçura – e as dificuldades – de envelhecer.